Céu na terra
A família da roça saiu em viagem para reencontrar a cidade. Vicente maravilhado olhava o arranha-céu de baixo para cima e perguntava: “O que é isso que sai da terra e chega lá no céu?”. Bento, feliz da vida, procurava um Shopping Center. Eu, João, Graça (mãe do João) e Renato (seu companheiro), quietos, observávamos as reações das crianças que agora vivem no campo e não iam à civilização há 5 meses.
Singapura é uma cidade próspera, moderna, fácil, segura, calma, arborizada, e cheia de atrações para crianças. Por alguns segundos, achei que a felicidade suprema passou por aquele lugar. E ainda acho que por ali ela passeou muitas vezes. E, digo mais, no meio daquela confusão emocional do retorno à vida urbana, de pensamentos sobre o futuro, fiquei balançada e João também.
As crianças já dormiam quando João e eu fomos ao terraço olhar a cidade. A rua era calma, sem muito movimento de carros. Os cafés, bares e restaurantes charmosos, bem iluminados e cheios. O jazz soava ao longe. O casal elegante atravessava a rua para encontrar um amigo. Ninguém masca chiclete, ninguém fala alto, ninguém perde a linha.
Dia seguinte, logo cedo, viagem de metrô. Limpo, novo, organizado, com um ar condicionado gelado, minha sogra chegou a cogitar passar o resto do dia por ali para refrescar. As crianças também amaram, queriam ficar em baixo da terra, brincando de mudar de trem, andar de escada rolante. E à espera do metrô os pais aqui em questão também se sentiam em casa: cartazes espalhados mostravam as principais atrações culturais da cidade e uma TV passava o trailer dos filmes em cartaz. Ficamos com sede e, enquanto João pegava a garrafa d’água, vi um aviso na parede: proibido beber ou portar bebidas no metrô. Multa de 500 dólares. “Ops, coloca a garrafa com cuidado nessa bolsa para não cair.”
Depois veio o parque. O Gardens by the Bay é de tirar o fôlego. Com a proposta de oferecer qualidade de vida e fazer a cidade em meio a um jardim (ao invés de jardins pela cidade), o governo local criou esse espaço verde e lindo, limpo, sustentável, cheio de atrações para adultos e crianças, restaurantes, lojas etc. Eles pensaram e fizeram tudo. Mas atenção, lá não se pode subir em árvores. Segura a moçada. Ainda no parque, mais tarde, nos encontramos com amigos da era lisboeta. E se era bom, ficou melhor.
No total éramos cinco crianças e duas mães. Resolvemos encarar o restaurante chiquérrimo do parque. Ela, moradora local, parecia tranquila. Eu um bocado preocupada com tanto pode e não pode. Pensei que seríamos expulsos nos primeiros 15 minutos. Se não tivesse multa, estava valendo. Ficamos por lá uma hora e meia. Alguns dos meninos escapavam para baixo da mesa, escalavam um banco, pulavam para a mesa ao lado, mas nada grave. Pelo menos aparentemente. A garçonete da cara fechada continuou carrancuda, o garçom simpático permaneceu sorridente até o fim.
No dia seguinte, despedida da vovó depois de 40 dias por aqui, brincadeira no parque para distrair as saudades e passeio subindo ‘da terra até o alto do céu’ no edifício cartão postal da cidade. De lá de cima, perto do céu, observamos calados o resultado de tanta ordem, disciplina, determinação. E beleza também. Nos sentimos minúsculos, nos sentimos peça de engrenagem, não sei bem o que sentimos.
Voltamos para casa. Dormi com essa confusão. Acordei me perguntando onde era o nosso lugar. Dei de cara com um sol escaldante, com as crianças desaceleradas, estávamos todos com energia em modo saving. De repente, percebi que o cenário lá fora estava transformado. O campo de arroz já não tinha mais arroz. A terra já estava encharcada d’água, pronta para o próximo plantio. A terra virou espelho e refletia o céu do fim de tarde. A cidade foi ficando longe. E as questões ganharam uma nova perspectiva: será que o homem consegue mesmo levar a terra até o céu? Ou será que a terra às vezes se torna um pedaço de céu e a gente é que se esquece de olhar para ela?
Lindo texto! Acho que ninguem tem essa resposta. Mas acredito em um ceu possivel.
Sempre acompanho vcs aqui, e me emociono a cada texto. Vou conhecendo um pouquinho de terras distantes, e matando de leve a saudade dos amigos. Que vontade de apertar as crianças! Um abraço carinhoso pra vc, Bia.
Um abraço enorme para vc Carol, outro na Maria Clara e um no Marinho. Saudades. Bjs
sempre gosto de seus escritos querida.
Você só inspirou boas coisas no meu caminho. Sempre que eu escrevo tem um pouquinho do que vc e toda essa família deixaram comigo. Beijos
Bia, gosto muito do blog, sempre acompanho. Não sei se estou enganada, mas é vc que morou/mora em Lisboa? Gostaria de conversar sobre sua experiência por email se possível. E se não for você, me indica a mãe “correta”? Desde já, obrigada! Bjs, Lia
Olá Lia, sou eu sim. Que bom que você acompanha o blog. Olha, me escreve por email e a gente conversa: biagolzi@gmail.com. Até já!