Estamos em casa

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Estamos em Bali há três luas cheias. Tempo suficiente para aprender que nesta Ilha tudo é motivo para celebrar. As festas são lindas, os rituais floridos, cuidados, coloridos. Há de se andar com atenção para não pisar nas várias oferendas espalhadas pelas calçadas (eles dizem que traz má sorte) e se aqui quiser ficar por um tempo, tem que tentar incorporar o(s) espírito(s).

No último 8 de outubro, noite de lua cheia e eclipse lunar, era dia de uma festa esperada há meses. Ainda não eram 6h da manhã quando João saiu da cama e, mesmo sabendo que as suas melhores fotos não acontecem nas cenas extraordinárias mas nas ordinárias, pegou sua roupa típica de cerimônia, guardou a câmera na mochila e saiu caminhando para registrar os preparativos da cerimônia de reinauguração do principal templo de Ubud, o Campuan.

Enquanto isso, o resto da família se preparava para ir à escola. São 30 minutos de viagem e quase sempre chegamos atrasados. Mas as manhãs são generosas, acordamos ainda antes do sol que nasce ao lado do vulcão, no final da plantação de arroz que se derrama à nossa frente. Começamos frescos, leves e vamos aquecendo enquanto o sol se levanta. O café dura quase uma hora entre histórias, gargalhadas e provocações de irmãos. Ainda não consegui fazer funcionar de outro jeito. Mas neste dia queria a paz do arroz na testa, símbolo de purificação que levamos no rosto a cada cerimônia. E já que não podia ir ao templo, fomos para o quintal catar flores e levamos para um cantinho que criamos, inspirados nos rituais locais. Os templos da nossa casa são cuidados pelos balineses, então resolvi inventar o nosso. No nosso espaço kitsch e sincrético, colocamos o anjo da guarda que ganhei da minha saudosa bisavó, um mini buda e uma andorinha de louça que voou com a gente de Portugal. Para lá levamos flores e velas. Ali os meninos começam a refletir sobre tudo de bom que a gente recebe e também sobre o que acontece de ruim.

A rua estava linda. Vestidos com o traje típico nos tons branco e amarelo, o povo ostentava nas cabeças (o ponto do corpo que mais se aproxima do céu) belas oferendas aos deuses. Balineses, turistas e estrangeiros como nós que moram por aqui, todos com os rostos estampados de paz, felicidade e arroz.

Em todas essas fases da lua (estamos em Bali há quase 90 dias), vimos o tempo passar voando, sem conseguir aproveitar o que de melhor essa ilha oferece: a possibilidade de vibrar com calma e viver os rituais, de olhar o tempo da natureza, de deixar fluir, de experimentar a paz. Já estivemos em cerimônias, tomamos bençãos, levamos oferendas, foi bom, mas ainda não estávamos totalmente lá. Ou melhor, cá.

Estávamos ocupados, com pressa de chegar. Queríamos aprender a dirigir na mão inglesa, entender os códigos de um trânsito sem sistema. Entender e falar um pouco da língua local. Tomar banho de mar, participar da escola, conhecer essa comunidade que ganhamos de presente, ter a certeza de que os meninos estavam bem em suas classes. E o mais importante, queríamos achar a nossa casa. E no dia em que isso aconteceu, o dono da casa fez questão de colocar uma cláusula importante no contrato: “se vocês querem morar em Bali, hati hati (hati significa coração, mas se pronunciada duas vezes significa cuidado). É melhor começarem a acreditar que existem algumas coisas que não dependem dos homens. Coisas que a gente não vê, não controla. O que temos aqui é único, e se querem ficar, têm que acreditar, têm que sentir.” Segundo a lenda dos habitantes locais, a ilha dos deuses pode te receber muito bem, te fazer querer ficar, apresentar alguns desafios para testar se é digno de aqui estar, mas também pode te expulsar como um vulcão que cospe fogo.

Neste dia, já no fim da tarde, enquanto observava incrédula uma galinha que corria atrás do cão, e este fugindo desesperado para dentro da mata, ouvi Vicente gritar de longe:

–       Mamãe, ela está sempre olhando a gente do céu?

–       Como assim? Ela quem, meu filho?

–       A lua, mamãe, a lua. Você viu que ela já está lá?

–       Ah sim, pois é, nunca tinha pensado nisso, mas se a gente vê a lua daqui, ela também deve ver a gente de lá, sim.

Naquela noite sentamos juntos, no terraço do quarto das crianças, virados para o vulcão sagrado da Ilha e assistimos, sem pressa, o eclipse lunar. As crianças adormeceram enquanto a sombra projetada na lua diminuía. João e eu ficamos ainda por ali por mais uns bons 20 minutos, em silêncio. Toda uma história devia estar passando naquela cabeça encostada na minha. Toda uma história passava também pela minha cabeça. Os tempos são intensos, os dias são cheios de novas descobertas, mas de muita, mas muita beleza. Em dias de lua-cheia, os humores agitados tomariam conta da casa. Mas enquanto os balineses, todos juntos, reverenciavam a beleza da lua, nós também fizemos a nossa reverência particular. Agradecemos à lua, à terra, ao vulcão, à vida e ao povo desta Ilha abençoada. Hati hati hati hati. Estamos em casa!

Comentários

  1. Que os deuses e a lua continuem iluminando o caminho de vocês, os campos de arroz, e inspirando essa alminha tão especial que é a sua, minha querida norinha.

  2. Que delicia! Que maravilha poder aproveitar assim o tempo que que se tem. Aproveitem muito esse momento e queremos mais histórias sempre!

  3. E pensar que eu dei a luz a uma pessoa tão iluminada!!!!Tão cheia de amor e sensibilidade…Como posso agradecer???Obrigada filha,por tão lindas emoções,por ser como é!!!Bjos

    • Mãe querida, foi você quem deu a luz. A luz é de todas nós. O amor também. Obrigada a você. Que seus dias e noites estejam e sejam iluminados. Saudades grandes. Vamos fazer nosso Skype, sábado? Beijos

      • Só vendo hoje essa resposta,que me deixa com mais saudade ainda!!!!Nos falamos sexta e espero que hoje tbém!!!Filha querida vc tem luz própria,nem de lua nem de sol precisa… Nasceu iluminada!!!AMO!!!Bjos

  4. Biaaaaaa, chorei daqui. Que lindo vcs aí. Quero muito voltar pra esse lugar lindo!!! Obrigada pela delicadeza da sua escrita e por mostrar pro mundo que sentindo e seguindo o coração, sempre sempre dá tudo certo. Beijão, fiquem com Deus

  5. Que lindo sua descricao de Bali,de voces,meus queridos…….apenas um sentimento de culpa retornou………imagine que nao quis ir ai com Trevor pra um servico oferecido a ele por ……..3 luas…..coisas que burramente fazemos.essa foi uma das maiores,ne?Aproveitem mesmo essa vida ai que tanto estam curtido.Beijao aos 4

  6. Bia, impossível a gente não se emocionar. Sua mãe tem razão, deve ficar orgulhosa e saudosa dessa filha tão especial e iluminada. Me emocionei também com os dizeres de seus amigos. Lindo caminho esse que vocês escolheram. Talvez, às vezes, seja difícil, mas certamente só trará muito ensinamento. Bjs

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